2007-09-16
Intervistado: André Gouveia
Fonte ou autor: Metalicidio.com
In Peccatum - O regresso ao estúdio
Formaram-se em 1998. Qual o balanço que fazes de tantos anos de carreira dos In Peccatum?
Direi que, apesar de alguns períodos de maior dificuldade, tem sido deveras e indubitavelmente positivo! Volvida quase uma década após o início da nossa actividade, posso apenas dizer que temos feito aquilo que mais gostamos e às custas disso temos conhecido pessoas impecáveis! É certo que IN PECCATVM é uma banda que aparece ao vivo pouquíssimas vezes e tem como metas propósitos diferentes da grande maioria das bandas do nosso panorama. Poderei também dizer que temos dado um passo de cada vez sem grandes alaridos. As nossas actuações limitam-se a cerca de uma a duas por ano. As nossas vidas profissionais e académicas condicionam um pouco a nossa actividade como banda mas quem nos conhece minimamente sabe que tal condicionante não é impeditiva para a manutenção da mesma.
Qual o papel de cada membro na banda?
Somos todos pessoas muito diferentes. E isso é, na minha opinião, muito saudável. Qualquer um de nós sabe de forma algo “automática” qual o papel a desempenhar. Quem segue a nossa “carreira” sabe que o cérebro deste projecto é o Almeida (antigo baterista e actual guitarrista). Muitas das ideias que são trabalhadas em grupo partem dele e creio que a situação manter-se-á desta forma até ao fim de IN PECCATVM. Não podemos de forma nenhuma estar aqui a falar em líderes, porque no seio da nossa banda tal não existe. Há no entanto um trio fundador que, obviamente, assume e sempre assumirá um papel de maior relevo, digamos assim, mas apenas no contexto de criação e fundação propriamente ditas desta banda. Numa fase posterior surgiram outros elementos que vieram colaborar com a banda no âmbito da exposição e apresentação das ideias maioritariamente tidas e exploradas pelo trio fundador. Hoje em dia e com o Bruno e com o João felizmente tal não acontece e poderei dizer que estamos todos de igual para igual no que diz respeito a criar.
De qualquer forma, assinalou-se a entrada de novos músicos. Essas alterações de line-up vieram contribuir para uma melhor sonoridade?
Como há pouco o disse, as entradas do Bruno e posteriormente do João vieram sem dúvidas talhar e melhorar a sonoridade de IN PECCATVM. Lembro-me perfeitamente da inclusão das primeiras linhas de teclados escritas pelo Bruno terem sido introduzidas nos nossos temas e de pensar – e até comentar com os outros elementos – acerca da diferença que tais linhas faziam no todo dos temas. Esta foi uma situação que nos agradou imenso! Tenhamos em conta que o background musical do Bruno não é o mesmo que o nosso. Assim, se conciliarmos diferentes “escolas” na nossa música, com certeza que no final iremos deparar-nos com um resultado mais eclético e de qualidade superior. Na bateria, claro está que o João também deu uma nova roupagem às músicas. Ele é sem dúvida um baterista de corpo e alma e toca o género que mais lhe agrada. Para além disso, com ele já escrevemos dois novos temas no qual ele teve toda a liberdade criativa e o resultado não poderia ter ficado melhor!
Como vês o facto de dois músicos da banda terem outros projectos ao mesmo tempo?
Pessoalmente eu considero isso muito bom! Não são os primeiros nem serão os últimos. Vendo bem, todos os elementos de IN PECCATVM estão directa ou indirectamente envolvidos noutros projectos musicais. Eu mesmo junto com o António também fazermos parte do projecto A DREAM OF POE da responsabilidade do Bruno. Social e musicalmente falando isso é muito positivo! O Almeida também está envolvido num diferente projecto musical. Tivesse eu mais disponibilidade e abraçava novos projectos e bandas mas infelizmente os muitos afazeres não o permitem. Conseguindo um horário organizado – que é efectivamente o que acontece – ninguém sai penalizado neste contexto. Também sou da opinião que a nível promocional todos nós saímos beneficiados pois ao falarmos em IN PECCATVM, estamos indirectamente também a falar em A DREAM OF POE (projecto do Bruno) e em STRAPPING LUCY (a outra banda do João, nosso baterista).
A ideia que tenho é que vocês são todos muito unidos. É mesmo assim? Não têm problemas internos, a nível ideológico, por exemplo?
Este é assunto quase sempre abordado quando a banda é entrevistada. Sim, não há quaisquer dúvidas relativamente a isso. Somos efectivamente muito unidos, muito amigos! Uma banda deverá ser – na nossa opinião – um grupo de amigos! Os amigos também discordam entre si e as diferenças de ideias fazem-se sentir de uma forma ou de outra. Tenhamos em conta que somos 5 pessoas muito diferentes umas das outras. No entanto, com tolerância, respeito e sobretudo grande amizade uns pelos outros, conseguimos ultrapassar as dificuldades que vão surgindo. Não me interessava mesmo nada tocar numa banda cujo baterista X ou guitarrista Y fossem os melhores do mundo não sendo eles meus amigos ou amigos entre si. E infelizmente muito boa banda cessa funções exactamente devido a isso…
E a nível musical, cada um ouve uma coisa diferente ou os gostos são muito semelhantes?
Todos nós ouvimos muita e diferente música. Claro está que temos como preferidas algumas bandas em comum. No entanto as sonoridades destas mesmas bandas não se reflectem – pelo menos directamente – no nosso som. É certo que o metal (sobretudo na vertente gótica) é um gosto do qual todos nós partilhamos mas aqui por estes lados ouvem-se muitos sons e muitas das bandas que gradualmente vamos ouvindo são-nos dadas a conhecer exactamente pelos colegas de banda.
Existe algum ‘orientador’ na banda? Ou vocês todos tomam decisões, todos participam do processo criativo?
O processo de criação dos temas é um trabalho de equipa. No entanto não poderei negar que a grande maioria das ideias que dão corpo aos temas surgem individualmente partindo de um qualquer elemento dos IN PECCATVM. Muitas vezes essas ideias ficam-se apenas por riffs ou malhas que acabam por não serem aproveitadas. Na maior parte dos casos, os 5 elementos da banda trabalham a(s) ideia(s) com o intuito de a transformarem efectivamente num tema.
Como vês essa nova corrente de bandas regionais e a cena regional hoje em dia?
Fico feliz por ver tanta gente interessada em fazer música. Claro que grande parte do som que se produz hoje em dia não é do meu inteiro agrado mas a música não se resume ao metal e é sempre bom saber que há muita gente, e sobretudo pessoas jovens, a trabalharem nesse sentido! No entanto fico com a sensação que aí há cerca de 10, 12 anos atrás a “paixão” pelo metal e pelo underground fazia-se sentir de forma mais aguerrida. Eram tempos diferentes. Hoje em dia qualquer miúdo pode perfeitamente comprar instrumentos, formar uma banda e achar-se de igual para igual para com as bandas que por cá já andam há muito tempo… Depois a grande maioria destas bandas acaba de um momento para o outro o que só me leva a concluir que muitos putos formam bandas que não mais passam de projectos temporários só pelo facto de poderem dizer futuramente que no passado já tiveram uma banda etc e tal… Ninguém ganha nada com isso…
Presentemente, e relativamente às bandas que se encontram no activo, tiro-lhes o chapéu pois têm dado provas que estão aí para o que der e vier!
O que é que falta à cena metal regional para que ela se possa tornar melhor?
No particular da ilha de São Miguel, acho que faz falta um local onde as bandas pudessem actuar periodicamente e sem restrições. Infelizmente ainda tal não acontece… Havendo um espaço que reunisse condições para tal, não tenho a menor dúvida que a chama metaleira iria crescer. Isso certamente também potenciaria não só o regresso de muita gente ligada ao metal que, pelas mais variadas razões, se encontra afastada, como também o surgimento quiçá de novas bandas. Tanto mais que cá na ilha o número de lojas de instrumentos musicais tende a crescer de forma muito rápida.
Outra coisa que faz muita falta e isso deixa-me deveras confuso é o facto de cá não haver um UM ÚNICO PROGRAMA de rádio de metal, coisa que no passado já houve e era de extrema importância no âmbito da promoção do metal não só internacional e nacional, como também do que por cá se faz. Numa palavra, diria que esta é uma lacuna totalmente inadmissível! Até nem parece que vivemos naquela que é a maior ilha açoriana. Deixo no ar a seguinte questão: Com tantas rádios por cá, o que falta para que uma delas aceite tal desafio?
Infelizmente cá apenas se aposta em música que venda. Concordas? Nós não vemos In Peccatum todos os dias. A que se deve esta vossa tão grande “ausência” nos palcos?
Sejamos realistas… IN PECCATVM é uma banda “pequena” que não arrasta muitas pessoas a um concerto. E isso não interessa à grande maioria dos promotores. Para além disso, nós praticamos um som catalogado como metal, logo “demasiado barulhento” para algumas pessoas… E tal é verdade! Não o podemos negar. Vendo bem, e correndo o risco de ser criticado (ou não), não me interessa – nem aos outros elementos de IN PECCATVM – dar um concerto num contexto que não seja o apropriado. Ora vejamos, não é nada difícil a uma qualquer banda de metal conseguir uma actuação numa qualquer festa de cariz popular ou religioso. Mas prevalece a seguinte dúvida: “Valerá a pena actuar perante um público ao qual o metal não lhe diz rigorosamente nada..?” Que retorno tira uma banda de um concerto dado em tais condições? Se tal acontecer numa qualquer festa ou noite dedicada a um público mais jovem, aí sim tem todo o cabimento.
Outra razão à qual se deve esta “ausência” dos IN PECCATVM, prende-se, tal como já disse, às questões profissionais e académicas. Durante algum tempo o facto de não termos um line-up completo motivou esse “afastamento” dos palcos. Mas hoje em dia, e com esta questão resolvida, torna-se mais fácil aparecermos ao vivo.
E agora como estão em termos de concertos?
Em Outubro os IN PECCATVM irão aparecer ao vivo. Será apenas uma data e creio que até ao fim do ano não mais iremos actuar. Havendo condições para tal, aí faremos todos os possíveis por actuarmos! Tal acontecendo, será muito bom não só no que diz respeito à apresentação de alguns temas novos a serem incluídos no nosso próximo trabalho que está a ser gravado como também para rodarmos um pouco uma vez que já se passou um ano desde a nossa última aparição ao vivo.
Sei que se encontram actualmente a gravar o sucessor de “Antília” nos novos estúdios Global Point Music. Como tem sido?
Não poderia estar a ser melhor! O estúdio reúne excelentes condições e estamos muito satisfeitos com o decorrer de todo o processo. Aconselho sem dúvida este estúdio a todas as bandas que estejam interessadas em gravar um registo. Já o fizemos anteriormente mas em cada gravação surgem novos desafios e, como músicos, crescemos imenso. Sem dúvida!
Qual é o estado de espírito presente dos In Peccatum agora com este novo trabalho?
Diria que presentemente o entusiasmo é o substantivo ideal para caracterizar o nosso estado de espírito. Estamos a experimentar e a explorar coisas novas, diferentes temáticas etc… Tudo isto desperta em nós uma sensação de descoberta como quinteto que agora somos. E logo que o trabalho esteja pronto, só podemos é sentir-nos satisfeitos por termos dado mais um importante passo como banda e expectantes face àquilo que quem se der ao trabalho de ouvi-lo vai achar ou sentir.
Mais uma vez trabalham com o Eduardo Botelho como produtor. Nunca pensaram ter outras experiências? Esta aliança é para continuar?
Em 2001, quando começámos a trabalhar com o Eduardo, desde cedo saltou-nos à vista um homem que sabe e que gosta efectivamente do que faz! Na altura da gravação de Antília os recursos técnicos não eram os melhores mas sabíamos que com melhor material de estúdio, o processo de gravação e produto final só poderiam ficar melhores! Assim sendo, e a isso aliando a experiência e maturidade que fomos adquirindo nos anos seguintes, só poderíamos escolher uma vez mais o Eduardo como produtor. A abertura do seu novo estúdio foi sem dúvida a cereja no topo do bolo! Há muito que esperávamos por este momento e podemos dizer que fomos a primeira banda propriamente dita a gravar no estúdio Global Point Music. O Eduardo é também quem faz o nosso som ao vivo e os IN PECCATVM teriam todo o gosto em manter esta aliança.
Em termos de estilo musical, como explicas a evolução da banda desde a demo «In Beauty » até este novo trabalho que estão a gravar?
Foi (e tem sido) uma evolução gradual, sem grandes sobressaltos e basicamente normal… A sonoridade heavy/thrash metal presente em “In Beauty” foi rapidamente suprimida por uma toada gótica que tem vindo a ser explorada nas suas demais ramificações nos trabalhos que lhe sucederam. “In Beauty” fica para a história não só como o nosso primeiro registo magnético, mas também como aquele que foi o de menor qualidade. Apesar disso foi este mesmo registo que deu a conhecer uma banda que, com apenas pouco mais de oito meses de vida, sem experiência e sem meios materiais, lançou-se na “selva discográfica”. Foi um registo que muito poucas críticas positivas teve… No entanto “In Beauty”, mesmo com todas as suas lacunas e senãos, é que serviu de trampolim para esta carreira “discreta” que já vai em quase 10 anos…
Que relação há entre os vossos 3 trabalhos e como os caracterizam sonoramente?
“In Beauty” foi sem dúvida um caso à parte pois a sua sonoridade pouco tem a ver com os trabalhos que lhe seguiram. Foi praticamente um tiro no escuro, uma tentativa de definição musical. Este “encontro” do rumo pretendido aconteceu apenas 2 anos depois com o lançamento de “Just Like Tears”. Este registo é que marcou efectivamente a nossa mudança de som que nos levou para as sonoridades góticas que até hoje prevalecem. “Antília” foi o 3º momento e, aliado a um conceito, conseguiu reflectir aquilo que se vivia em IN PECCATVM na altura. Foi sem dúvida o passo que tinha que ser dado após a “era Just Like Tears”.
Quais as bandas de maior influência e fontes de inspiração?
Nós ouvimos muitas e diferentes bandas. É difícil estar aqui a enumerá-las… Mas em traços muito gerais, bandas como IRON MAIDEN, TYPE O NEGATIVE, ANATHEMA e muitas, muitas outras acabam por nos influenciar (embora nunca de forma directa). No passado, aquando do início da banda o mesmo acontecia com bandas como METALLICA, MOONSPELL e muitas outras…
Quanto às fontes de inspiração, essa deveria ser uma questão colocada pessoalmente a cada um dos elementos de IN PECCATVM mas posso adiantar que as paisagens da nossa ilha bem como a beleza das suas lagoas e tudo mais que possa de algum modo estar directa ou indirectamente relacionado com isso, são grandes fontes de inspiração para todos nós. De há sensivelmente uns anos a esta parte, temos “explorado” conceitos associados às erupções vulcânicas. Esta temática servirá de pano de fundo para nosso próximo trabalho.
Em termos líricos. O que exploram neste novo trabalho ?
A agonia… A lava… (entre outros assuntos directa ou indirectamente relacionados com estes).
Se eu te pedir um adjectivo que descreva o que este novo trabalho é, em relação ao último, qual é o adjectivo que preferes? Este álbum é mais...
…Amadurecido.
O que esperam alcançar com este novo trabalho?
Em primeiro lugar está sem dúvida a realização e satisfação pessoais. Tudo que possa daí advir será bem-vindo.
Que expectativas têm em relação ao vosso futuro?
De pés bem assentes no chão, diria que, em condições normais, o nosso futuro como banda não será muito diferente daquilo que vivemos presentemente. Interessa-nos fundamentalmente manter acesa a chama da banda tal como a amizade que temos uns pelos outros. IN PECCATVM é o reflexo sonoro do que vai nas almas de 5 grandes amigos. Se daqui a dez anos eu ou qualquer um de nós estiver a responder a uma entrevista semelhante a esta, significa que conseguimos manter de pé por mais uma década aquela que é a nossa banda favorita! Tal acontecendo, e mesmo sem nenhum contrato discográfico, seremos sem dúvida homens felizes…
Para terminar gostava que deixassem uma mensagem aos nossos leitores...
Em primeiro lugar, e em nome de todos os elementos dos IN PECCATVM, o meu muito obrigado pela paciência por terem lido esta entrevista. Também aproveito a oportunidade para congratular todos quantos visitam e apoiam aqui o metalicidio.com. Sem esta nobre entidade, as bandas açorianas teriam muitas mais (e maiores) dificuldades, sobretudo no campo da promoção. Quero também desde já convidar todos os leitores a aparecerem no festival “October Loud” nos dias 19 e 20 de Outubro e a curtirem ao máximo o bom metal açoriano que por lá se fará “ver” e ouvir! Hell Yeah!
Filipa Matos